segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A insustentável leveza do ser



É possível uma relação sobreviver a uma considerável dose intravenosa de traição?
Após descobrir ter sido enganado de maneira grandiosa, como por exemplo, descobrir que seu parceiro passou os últimos meses se relacionando com duas pessoas ao mesmo tempo e detalhe, esqueceu de te contar a respeito da façanha, é possível dizer “tudo bem meu amor, eu te perdôo”, e seguir em frente ao lado desta pessoa de forma saudável?
Por muito tempo achava que sim, hoje já tenho grandes dúvidas.
Acreditava que o amor pela pessoa era capaz de passar por cima de tamanho choque e que começar de novo seria uma tarefa possível de ser realizada. Errado. A cada dia tenho mais certeza de que as pessoas que conseguiram realizar tal feito sofreram caladas por anos e anos, se apagando, se dilacerando, calando-se para evitar grandes e infernais discussões, carregando um fardo imensamente pesado nos anos seguintes ao da descoberta.
Não é fácil vencer uma sensação que é complexa até mesmo de ser resumida em palavras. Seu chão desaparece. A imagem que você tinha do ser amado evapora. Você não entende. Por instantes parece que você está numa floresta assustadora e escura, andando de costas, sem saber onde irá pisar no próximo passo. Você sente medo.
O escritor tcheco Milan Kundera em seu livro A insustentável leveza do ser, busca pré-definir o ato de trair como algo que sai da ordem e parte para o desconhecido. Cita ainda que a primeira traição é irreparável. Torna-se difícil ler tal afirmação e não refletir sobre o assunto, principalmente se você já esteve em um dos dois lados, o de traído ou de traidor. Segundo o autor, a primeira traição provoca numa reação em cadeia, outras traições, cada uma das quais nos distancia mais e mais do motivo da traição inicial. Ou seja, torna-se um vício.
O autor, entretanto, parece querer dizer em diversos momentos do romance que a traição não seria algo tão repudiável. Essa definição do ato de trair como sendo algo abominável seria embutida nas nossas mentes desde cedo através de nossos pais e professores, que normalmente estariam encarregados de nos fazer acreditar que a fidelidade é a primeira de todas as virtudes, que sem ela nossa vida não teria unidade e estaríamos fadados a viver uma vida estilhaçada por impressões fugidias. Seria verdade?
Provavelmente não, pois existem culturas onde a monogamia não é uma regra de moral e essas nações estão lá até hoje, com problemas como todo o resto do universo, mais a poligamia sem dúvidas não foi a causadora destes problemas.
Os personagens de seu romance oferecem diversas reflexões sobre o assunto. Tomas é um homem que opta por levar a vida de quarto em quarto conhecendo e provando diversas mulheres, apelidando-as carinhosamente como sendo suas ‘amigas eróticas’. Já Tereza, sua companheira “fixa”, é uma mulher que ama seu homem e dedica sua vida inteira a ele, suportando as tais amizades eróticas em prol de não perdê-lo, apagando-se, não se importando com a própria profissão, ficando doente por encarar dia após dia tal situação, tudo em prol dessa união. Seria cômico se não fosse trágico, mas no final das contas Tomas já de idade resolve largar sua profissão, suas amizades eróticas, e ficar apenas com Tereza; enquanto ela, neste momento, já não sabia mais se o que sentia por ele esse tempo todo era amor mesmo ou se tinha destruído a vida de Tomas por mero sentimento de posse, levando-o a mudar seu rumo para ficar com ela.
O que seria traição realmente? Teresa era traída? Ela que sabia das escapadas diárias de Tomas para encontrar suas amigas eróticas? Sim, ela sabia. É fato. E mesmo assim, lutou até o fim, recebendo como premio pela vitória Tomas, para sempre ao lado dela e somente dela.
Já Tomas via suas relações casuais como desejo de fazer amor, o que se aplicaria a um número imenso de mulheres. Para ele, o desejo do sono compartilhado – o qual poderíamos traduzir como comprometimento, algo sério – dizia respeito a uma só mulher. Muitos explicam o ato de trair desta forma, estaria de todo incorreto?
No romance ainda aparecem outros dois personagens: Sabina, uma versão feminina de Tomas, com todas as características que a carreira de artista faz distinção a de médico; e Franz, namorado de Sabina, o qual poderíamos descrever como a versão masculina do Eu de Tereza, mas como Sabina não se deixou prender como Tomas por Teresa, Franz acaba se refugiando na utopia, e todas as suas atitudes são direcionadas no sentido de cativar a admiração de Sabina.
Das impressões que ficaram ainda não totalmente amadurecidas por mim, cito primeiro a idéia de que talvez o ideal de vida sadia quando se trata de relação amorosa seja um relacionamento aberto. Parece que o fechado gera posse, desejo pelo diferente, e até mesmo certo tédio que vai matando a relação aos poucos.
Uma segunda hipótese seria a de que se fez algo, conte. Sinceridade é algo fundamental em qualquer relação, não apenas na amorosa. Sabemos que é difícil encontrar pessoas sinceras a tal ponto, mas elas existem.
Agora, o casal tentar se adequar a qualquer opção de mudança tendo como passado o caso citado no início deste texto, está certamente fadado ao fracasso. Não se pode generalizar, mas, enfim (...).
O ideal seria algo novo, que parte do zero com estas premissas, sem ressentimentos, sem mágoas, sem desconfiança.
Traição e peculiaridades a respeito do convívio dentro de uma relação amorosa sem dúvidas, foram assuntos que chamaram minha atenção neste fantástico romance. Mas não poderia deixar de citar que Milan Kundera além de narrar os amores e os desamores de quatro pessoas, genialmente faz com que sua história seja permeada pela invasão russa à Tchecoslováquia e pelo clima de tensão política que pairava na Praga daqueles dias, sem, contudo, tirar a sede com que lemos seu romance até o final. Além disso, Kundera trabalha a problemática do peso e da leveza durante toda a história, sempre amparado nas teorias de grandes filósofos universais.
Leitura necessária e altamente recomendada.
E as reflexões sobre o tema certamente não cessarão por aqui.

A insustentável leveza do ser
de Milan Kundera
Editora Companhia de Bolso
2008

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